“… você será uma luz para todos os povos…” (Is 49,6b)

Publicado por pedrotriana ⋅ 24 de junho de 2012 ⋅ 74 Comentários

Arquivado Em alegria, Benedictus, caminho da paz, festa junina, Isabel, Jesus, luz, Maria, o menor no Reino de Deus, precursor, profeta, São João Batista, temor de Deus, Zacarias

“… você será uma luz para todos os povos…”

(Is 49,6b)

Natividade de São João Batista

4to Domingo após Pentecostes

Textos:

1ra leitura: Isaías 49,1-6

Salmo 85,7-13

2da leitura: Atos 13,14b-26

Evangelho: Lucas 1,57-66.80

São João Batista é sem dúvida muito importante para os cristãos. Particularmente para os cristãos brasileiros é um santo muito querido e reverenciado. E por todas as partes, particularmente no norte e nordeste, por esta época acontecem as chamadas festas juninas, onde com muita comida, trajes típicos e alegria, o povo se reúne à luz da tradicional fogueira de São João.

Segundo Santo Agostinho, a figura de João Batista aparece na tradição bíblica como o ponto de encontro entre os dois Testamentos, o Antigo e o Novo. João, homem simples, corajoso e austero foi declarado por Jesus como o maior de todos os profetas; e ele, por sua vez, apontou para Jesus como o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. João deu testemunho da Luz, aplanou os caminhos e preparou o povo para receber Jesus (cf. Jo 1,29-36). Dessa maneira, a Palavra anunciada por João nos conduz para dentro da verdadeira Luz de todos os povos: Jesus. Por isso, hoje celebramos a festa daquele que se fez o menor no Reino de Deus, e, por isso, é o maior dos profetas e de todos os homens nascidos de mulher (cf. Mt 11,11; Lc 7,28).

Agora, relembrando por um momento os antecedentes do evangelho de hoje, vemos que segundo a narração de Lucas, João Batista era filho do sacerdote Zacarias e de Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus. Tanto Zacarias como Isabel eram já velhos e, além disso, Isabel era uma mulher estéril; e no judaísmo ser estéril era a pior humilhação que lhe podia acontecer a uma mulher. Porém, um dia, estando no Templo fazendo seu trabalho como sacerdote, um anjo, ou seja, um mensageiro de Deus, apareceu em frente de Zacarias e lhe anunciou que sua esposa ia ter um filho, e que seria chamado João, que significa: “Yavé é misericordioso”. A seguir o anjo lhe anunciou também, que o nascimento desse filho ia trazer alegria a muita gente; que seria cheio do Espírito Santo desde o nascimento; que seria mensageiro de Deus, forte e poderoso como o profeta Elias; e que prepararia o povo de Israel para a vinda do Senhor. Entretanto, como Zacarias duvidou da palavra do anjo, visto que tanto ele como Isabel eram idosos, e ainda por cima Isabel era estéril, este lhe falou que ficaria mudo até o dia de seu filho nascer (cf. Lc 1,5-25).

A seguir, narra o evangelista, que Maria, prima de Isabel, recebe também a visita de um anjo que lhe anuncia que ficaria grávida e que daria a luz um filho ao qual poria o nome de Jesus, que significa: “Yavé é libertação”; que seria um grande homem; que seria chamado “Filho do Deus Altíssimo”; e que seu Reino nunca acabaria (cf. Lc 1,26-38).

Dias depois, Maria foi visitar sua prima Isabel. Ao chegar à casa Maria cumprimentou Isabel, e diz o texto que a criança se mexeu de alegria no ventre de Isabel. Ai, diz também o evangelho, que Isabel ficou cheia do Espírito Santo e falou para Maria: “Você á a mais abençoada de todas as mulheres e a criança que você vai ter é abençoada também! Quem sou eu para que a mãe do meu Senhor venha me visitar!” (Lc 1,40-43).

Dessa maneira, o capítulo primeiro do evangelho de Lucas faz questão de ressaltar o fato de que a história de Jesus se acha ligada à de João mesmo antes do nascimento, já que tanto o anuncio como o nascimento de ambos são contado pelo evangelista de maneira maravilhosa e simultânea. Ou seja, João não se tornou o precursor de Jesus apenas no momento do batismo de Jesus no Jordão.

Agora, indo para o evangelho de hoje, ele narra propriamente o momento do nascimento do João. E relendo devagar o texto podemos fazer alguns apontamentos. Em primeiro lugar o evangelista anuncia o nascimento de maneira simples, e quase praticamente com as mesmas palavras que vai anunciar posteriormente o nascimento de Jesus: “Chegou o tempo de Isabel ter a criança, e ela deu a luz um menino”. (cf. Lc 1,57; 2,6b-7a)

Em segundo lugar, o nascimento provoca transformações. A primeira transformação acontece em Isabel, sua mãe, quem sai do oculto, da humilhação e da exclusão social, a uma vida digna, pública e intensa: “Os vizinhos e parentes escutaram falar da grande bondade de Deus para com Isabel”.

A segunda transformação acontece no povo; o nascimento é o ponto de partida para uma grande festa na aldeia, que se expressa, tanto parabenizando a nova mãe como na felicidade e alegria de todos: “… todos ficaram alegres”. E esses «todos» são a «muita gente» que ficariam felizes com o nascimento do João, segundo o anjo anunciou a Zacarias (cf. Lc 1,14); e eles, como a própria Isabel, representam e simbolizam aquelas pessoas que ainda não participam da alegria, ou seja, todos os excluídos, marginados e oprimidos do povo que devem ser agora incluídos.

Já terceira transformação acontece em Zacarias, o pai de João. Pois no momento em que dá o nome de João ao menino, começa a falar de novo e louvar a Deus. A recuperação dá capacidade de falar, tão importante em um sacerdote, se realiza quando vê o cumprimento da Palavra de Deus. E ai Zacarias é salvado de seu pessimismo e seu cansaço ante a vida. Deus o tira de sua resignação para levá-lo a um estado de alegria extraordinária; e com uma grande visão de futuro começa a louvar a Deus e profetizar. E seu louvor e profecia encontra-se no chamado “Cântico de Zacarias”, ou Benedictus, como é conhecido em nossa liturgia, que ainda que não fosse lido como parte do evangelho de hoje, ajuda a entender o significado profundo do nascimento do precursor de Jesus: “Louvado o Senhor, o Deus de Israel, pois ele veio ajudar o seu povo e lhe dar liberdade… E você, menino, será chamado de profeta do Deus Altíssimo, e irá adiante do Senhor a fim de preparar o caminho para ele… Pois o nosso Deus é misericordioso e bondoso. Ele fará brilhar sobre nós a sua luz… para guiar os nossos passos pelo caminho da paz” (cf. Lc 1,67-79).

Dessa maneira o nascimento de João se transforma também em símbolo e manifestação da bondade e da misericórdia de Deus para todos os oprimidos: Isabel, mulher, idosa e estéril, e, portanto, excluída, marginada e discriminada é reincorporada no convívio social; e Zacarias, repreendido pela mudez, e símbolo também da própria mudez e opressão do seu povo, recupera a palavra e a alegria de viver, mostrando que os fatos se realizam segundo a Palavra de Deus; porque a Palavra do Senhor liberta, abre a boca, solta a língua para que as pessoas possam louvar, e desfrutar da paz, ou seja, do shalom, que significa fartura, segurança e felicidade.

Mas, finalmente, as coisas não param por ai. O acontecimento toma tanta transcendência que ultrapassa os limites da casa e da aldeia, chegando a ser motivo de reflexão e admiração em toda Judéia: “Os vizinhos ficaram com muito temor, e as noticias dessas coisas se espalharam por toda… Judéia. Todos os que ouviam essas coisas… pensavam e perguntavam: ‘O que será que esse menino vai ser?’”. E faço a ressalva que aqui a palavra «temor» não deve ser entendida como «medo ou terror», mas no sentido de «admiração e reverência». Ou seja, sinal de apertura com singeleza ante a presença e manifestação de Deus.

Então, as leituras bíblicas de hoje apresentam a vida de João Batista à luz dos grandes profetas antigos e de Jesus Cristo, o Messias esperado. Ele recebe a missão de profeta, assume uma vida simples, e é chamado de batista. Por sua vez, nós, pelo batismo, também recebemos a missão de profetizar e de denunciar, como João, a injustiça, a mentira e a opressão.

Celebrar hoje o nascimento de João Batista é experimentar como uma simples criança é capaz de transformar não apenas a vida de seus pais, vizinhos e de todo o povo, mas mostrar, acima de tudo, a manifestação da bondade de Deus, que transforma e fecunda a vida. É fazer a experiência da fé e da esperança no Deus misericordioso e compassivo. É aprender a descobrir com os olhos da fé a mão de Deus nos acontecimentos fundamentais da vida. É sentir que Deus continua soltando nossa língua para que tenhamos a coragem de vencer o medo e proclamar a justiça e a libertação.

O jeito simples de João Batista viver, usando uma roupa feita de pelos de camelo e um cinto de couro, e comendo gafanhotos e mel do de mato (cf. Mt 3,4), e entregue ao serviço de Deus, é testemunho de vida e convite à conversão. Que o Senhor nos dê a graça de viver conforme sua Palavra e testemunhar a Boa Notícia do Reino: “a Luz brilhante que vem nos visitar” (Lc 2,78).

Que como João Batista, possamos ser sinais proféticos de esperança, para anunciar o caminho da salvação, libertação e fraternidade, e testemunhar Jesus: uma luz que ilumina e liberta todos os povos. Certamente precisamos de testemunhos proféticos, como João Batista, capazes de denunciar a corrupção e as injustiças para criar um mundo melhor, um mundo feliz, mais justo e mais fraterno para todas as pessoas.